Inicio Destaque O contrabando e falsificação de medicamentos fatura R$ 16 bilhões por ano...

O contrabando e falsificação de medicamentos fatura R$ 16 bilhões por ano no Brasil

O depósito da Receita Federal em Foz armazena toneladas de amostras de amostras dos medicamentos apreendidos nos últimos 5 anos: a maior parte já foi destruída
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula que cerca de 20% dos medicamentos consumidos no Brasil sejam falsificados. Se comparado com o faturamento anual da indústria farmacêutica que em 2016 lucrou mais de R$ 85 bilhões (levantamento Interfarm com dados da IMS Health), a criminalidade abocanha, por baixo, pelo menos R$ 16 bilhões por ano com o contrabando e falsificação de medicamentos no país.
As fraudes, falsificação e contrabando de medicamentos envolve o descaso e corrupção de políticos e governantes, os órgãos de normatização e fiscalização, os gestores públicos responsáveis pela compra dos medicamentos nas secretarias de Saúde de municípios e estados, laboratórios clandestinos, distribuidoras e farmácias desonestas que fazem chegar aos consumidores toneladas de medicamentos caros e ineficazes como o Glivec e o Homotrop.
Amostra do Dualid-S no depósito da Receita Federal em Foz: o laboratório Aché, dono da patente, foi proibido de fabricar o remédio em 2011
O mais grave no hediondo mercado da falsificação de medicamentos é que para o consumidor paciente é mais fácil identificar uma marca de tênis pirateada do que um remédio falsificado.”É difícil até para os profissionais da vigilância sanitária identificar o produto falsificado”, diz a farmacêutica Carmenita Aparecida Gaieviski Bom, que coordena a Vigilância Sanitária na região da fronteira de Foz do Iguaçu com o Paraguai. Responsável pela fiscalização das mais de 200 farmácias (entre drogarias e farmácias de manipulação) do município do Oeste do Paraná, a farmacêutica ressalta: “As embalagens dos remédios falsos são tão parecidas com as originais que até os fiscais mais experientes têm dificuldade para distinguir as falsas das originais”.
Além do “profissionalismo” das falsificações, outro fator que favorece e facilita o “trabalho” dos criminosos que faturam alto com o mercado ilegal de medicamentos é o descaso dos governantes que não dão a devida atenção para esse grave problema.
Exemplo e prova do descaso é o sucateamento da vigilância sanitária mãe, a nacional Anvisa (já não faz testes nem por amostragem nos medicamentos) e das suas afiliadas vigilâncias sanitárias dos estados e municípios. O descaso é tanto que em Foz do Iguaçu, por exemplo (cidade reconhecida como a porteira de entrada dos medicamentos falsificados contrabandeados do Paraguai) existem apenas quatro farmacêuticos para apenas supostamente fiscalizar os mais de 200 estabelecimentos farmacêuticos.
Outra prova do desleixo da gestão pública é o abandono do Laboratório Central (Lacen) do Estado do Paraná. Praticamente sem equipamentos (como maquinários e computadores) e profissionais técnicos especializados necessários para realizar testes para averiguar a qualidade dos medicamentos vendidos nas farmácias e fornecidos nos postos de saúde, o laboratório público que é braço da Anvisa no Estado possui apenas uma técnica farmacêutica incapaz de viabilizar o atendimento necessário no setor de medicamentos aos 399 municípios paranaenses.
Sem fiscalização a criminalidade fica livre para falsificar: laboratório clandestino desmantelado recentemente pela polícia Civil falsificava até “Viagra” vegetal
Para ir além e mostrar as falcatruas com o dinheiro púbico nesse setor, em 2014 o Governo Federal disponibilizou R$ 1 milhão a cada Lacen dos Estados, dinheiro que era para ser utilizado exclusivamente em testes por amostragem nos medicamentos distribuídos na rede SUS. No entanto, no período entre 2015 e junho de 2017, só para amostragem, os Lacens do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro não haviam realizado nenhum programa para testar a qualidade dos medicamentos fornecidos pelo SUS ou vendidos nas farmácias.
Até o antibiótico tetraciclina “genérico” era falsificado com farinha por laboratório clandestino desmantelado pela polícia 
Desprotegido por todos os lados, os consumidores ficam a mercê dos criminosos que imperam e lucram com a falsificação e fraudes em medicamentos. As opiniões do diretor do Procon de Foz do Iguaçu, José Ruy Alexandre, servem para refletir a falta de segurança dos consumidores de medicamentos. “Todo mundo sabe que o papel das vigilâncias sanitárias é basicamente fazer as vistorias nas instalações para liberar o alvará de funcionamento para as farmácias”, salienta o diretor do Procon.
Ao ser inquerido sobre a realização de uma operação conjunta do Procon, Ministério Público e força policial para averiguar a procedência dos medicamentos vendidos nas farmácias da região de fronteira com o Paraguai, o chefe do Procon diz o órgão não possui estrutura nem funcionários para efetuar tal ação. Mesmo diante da solicitação de envio de denúncia do comércio ilegal de medicamentos contrabandeados do Paraguai, muito comum na região de fronteira, o diretor do Procon se mantém reticente e diz “não poder agir apenas em suposições” e que “para o Procon agir é necessário provas concretas”.
Porteira escancarada para o contrabando: em apenas 10 minutos de gravação 260 motos, 220 veículos, 65 vans lotação, 44 táxis e seis ônibus passaram livremente pela fiscalização da aduana brasileira na Ponte da Amizade
Por outro lado e pior para os consumidores é que as porteiras da entrada do contrabando de medicamentos falsos do Paraguai para o Brasil estão completamente escancaradas. Só pela Ponte da Amizade em Foz do Iguaçu, por exemplo, atravessam cerca de 80 mil pessoas todos os dias (com exceção dos domingos que o número cai para cerca de 20 mil), a maioria compristas profissionais conhecidos como sacoleiros e muambeiros.
A circulação de mototáxi (meio de transporte preferido para o contrabando de medicamentos) é intensa na região. Só para se ter uma ideia da movimentação de pessoas no vai e vem pela Ponte da Amizade, existem cerca de quatro mil motos (com placas brasileiras e paraguaias) que atravessam muambas e muambeiros do Paraguai para o Brasil, e vice versa, pelo menos dez vezes ao dia. No entanto, o transporte de medicamentos pelas mototáxis que circulam pela fronteira é só a ponta do iceberg para o que representa o gigantesco mercado de medicamentos contrabandeados do Paraguai. “O grosso do contrabando atravessa de barco pelo rio e lago”, confessa em off o chefe do posto da Anvisa em Foz do Iguaçu, que foi proibido pelos superiores da Agência em Brasilia a falar sobre a falta de fiscal da Anvisa na aduana da Ponte da Amizade.

A aduana da Receita Federal em Mundo Novo (MS), que faz fronteira com Salto del Guairá, no Paraguai, é outra conhecida porta do contrabando de medicamentos. “Mas o grosso do contrabando é desviado da fiscalização” diz o chefe da Anvisa
Além do contrabando de medicamentos com acesso quase livre pela Ponte da Amizade, também a imensa extensão de mais de 1.200 km de fronteiras (por terra, lago e rios) do Brasil com o Paraguai abrangendo o Oeste do Paraná e cinco cidades do Mato Grosso do Sul é atrativo para os contrabandistas. Sem fiscalização, a região é rota preferida para o tráfico de drogas e contrabando de armas e mercadorias bastante rentáveis como cigarro e medicamentos.
Dessa forma, a falta de fiscalização nas aduanas das fronteiras, nos portos, aeroportos, encomendas dos Correios, a falta de ação das polícias rodoviárias nas estradas, a falta de fiscalização e vistoria das farmácias pela Anvisa, vigilâncias sanitárias, a falta de ação das forças policiais através de ações iniciadas pelo Procon e Ministério Público para investigar o comércio ilegal de medicamentos só favorecem e fazem perpetuar a criminalidade no setor farmacêutico.
Além do mais, sem as ações de fiscalização e vistorias para descobrir as irregularidades de farmácias que atuam fora da lei, jamais as provas de fraudes e falsificação de medicamentos tão necessárias e exigidas pelo diretor do Procon de Foz do Iguaçu para iniciar processo para investigar o comércio ilegal de medicamentos serão levantadas. Com o descaso, preguiça, burrice e falta de bom senso dos gestores dos órgãos govenamentais encarregados da normatização e fiscalização do setor de medicamentos, a criminalidade sempre estará à frente das leis e bem livre para atuar.
COMPARTILHE