O livro que revela os bastidores desonestos dos balcões de farmácias e denuncia fraudes em genéricos foi lançado dia 6 de novembro na 19ª Feira Internacional do Livro de Foz do Iguaçu.
De autoria do jornalista de Foz do Iguaçu e ex-balconista de farmácia Luiz Carlos da Silva (assina Silva Luiz), o livro é o resultado de oito anos de pesquisas e investigações abrangendo os estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília feitas para produzir o documentário homônimo que está em fase de pós-produção.
O livro foi lançado dia 6 de novembro na 19ª Feira do Livro foi publicado com recursos do Fundo Municipal de Incentivo Cultural por meio de Edital de Concurso nº 02/2023 de Seleção de Projetos de Produção e Difusão Cultural realizado pela Fundação Cultural com promoção do Sistema Municipal de Cultura, Conselho Municipal de Políticas Culturais e prefeitura municipal de Foz do Iguaçu. Com tiragem de 1.500 exemplares, a distribuição total do livro será gratuita.
Para produzir o documentário homônimo que está em fase de finalização e escrever o livro, Silva Luiz trabalhou como balconista em 10 farmácias (em 3 redes de Foz, 5 redes de Curitiba e 2 redes de São Paulo) onde, com câmera escondida, filmou conversas com balconistas, farmacêuticos, gerentes, supervisores, donos de farmácias e representantes de laboratórios que revelam as práticas desonestas, antiéticas e criminosas contra os consumidores de medicamentos.
O capítulo “Medicamento bom para otário”, por exemplo, começa com a fala de João Adib, dono da Cimed, laboratório genuinamente nacional campeão em vendas de genéricos e vitaminas bonificadas: “A Cimed é uma empresa de vendas que tem uma indústria farmacêutica! Vendas em primeiro lugar! Sem vendas você está fodido! O foco da Cimed hoje é educar população sobre os benefícios da Lavitan. Depois que começamos a educar a população sobre os benefícios da Lavitan no programa Domingão com o Huck ela se tornou a vitamina mais vendida do Brasil. A Lavitan hoje é o principal produto da Cimed com um faturamento de 500 mihões por ano”.
No canal FodCast João Adibe confessa que o foco da Cimed hoje é educar população sobre os benefícios da Lavitan:
“Depois que começamos a educar a população sobre os benefícios da Lavitan no programa Domingão com o Huck ela se tornou a vitamina mais vendida do Brasil!”
No entanto, apesar do alto investimento da Cimed em propagandas, a Lavitan também é a vitamina campeã em reclamações no site Reclama Aqui. A Cimed possui mais de 5 mil reclamações de consumidores e a Lavitan só perde para as reclamações contra o protetor labial Carmed.
O que o jornalismo da TV Globo não mostra e o apresentador Luciano Huck não fala para o seu público tratado como otário é o grande número de queixas de reações adversas de usuários da Lavitan no site de denúncias Reclama Aqui.
O dono da Cimed aparece todos os domingos no programa Domingão com o Huck para fazer empurroterapia e “educar” a população para o consumismo da Lavitan: o beó mais vendido do Brasil é apresentado como a melhor vitamina do mundo e como um complemento alimentar eficaz e muito saudável. A Cimed gasta cerca de 1 milhão de reais toda vez que aparece no programa, no entanto está cagando e andando para as mais de 5 mil reclamações de consumidores da Cimed no site de denúncias Reclama Aqui, a maioria sem resposta e solução da pendenga. Uma das principais qeuixas dos usuários da Lavitan é sobre a falta de cápsulas da embalagem, cápsulas vazias ou fazando farinha, conforme foi apelidada a formulação das vitaminas bonificadas do outro lado do balcão das farmácias.
A maioria das queixas de usuários da Lavitan são de efeitos colaterais como reações alérgicas, tirar o sono, gosto na boca, tontura, cápsula que não dissolve no estômago, mau cheiro na boca e no corpo, dor no estômago, na barriga, na cabeça, caganeira, sangue nas fezes e muito outros. Denotando falta de ética e e falta de controle de qualidade da Cimed, muitas pessoas reclamam da falta de comprimidos, falta de cápsulas ou cápsulas vazando ou vazias nas embalagens da Lavitan. E conforme cita o livro, “A Cimed está cagando e andando para as reclamações dos consumidores da Lavitan, já que a maioria não são atendidas e resolvidas pela fabricante de beó”.
A farmácia compra a vitamina bonificada Lavitan em média por R$ 9 e revende por cerca de R$ 30 com superbônus de 200%!
Livro apresenta o ranking das fraudes
Os Fabricantes de beós campeões em vendas de genéricos para o SUS e campeões da empurração nos balcões das farmácias também são campeõs em fraudar genéricos. E pior! Conforme apresentado no ranking das fraudes baseado nas listas de interdições da Anvaisa entre 2007 e 2024, os fabricantes campeões na venda de beós são todos reincindentes em fraudar genéricos e similarares, a exemplo do EMS, Prati Donaduzzi e Cimed.
Muitos “genéricos” da Prati Donaduzzi são tratados pelo jargão “capeta” nas farmácias do SUS devido à má qualidade. A pomada de antibiótico Mupirocina era de qualidade tão ruim que ao abrir a tampa o conteúdo escorria pelo tubo feito água. O produto foi denunciado ao Ministério Público, o processo mas acabou em nada e o laboratório continua livre para fraudar.
Exemplos de reincidência em fraudes de medicamentos no país não faltam. Exemplo disso é o anti-hipertensivo Losartana com princípio ativo chinês que já sofreu quatro interdições recentemente: em 2016, em 2017, em 2019 e em 2022. Os diversos lotes de genéricos foram interditados devido à presença da impureza cancerígena, por apresentar princípio ativo abaixo do indicado pelo fabricante ou porque não passou no teste de dissolução (a absorção pelo organismo não acontece igual ao medicamento de referência).
Só em 2019 foram interditados 225 lotes do Losartana fabricados pela maioria dos laboratórios nacionais como EMS, Legrand, Nova Química e Germed. Novamente em 2022 —provando que os laboratórios nacionais são reincidentes em fraudar os próprios produtos—foram interditados mais 100 lotes de genéricos de fabricantes nacionais com princípio ativo losartana importado da China.
Vale ressaltar que cada lote do Losartana dos grandes fabricantes —principalmente quando se trata de medicamento de uso contínuo também fornecido nas farmácias públicas e pelo sistema Farmácia Popular— representa centenas de milhares e até milhões de unidades.
E o pior de tudo isso é que nenhuma caixa de losartana genérica oriunda de fraudes foi efetivamente recolhida da prateleira de nenhuma das mais de 110 mil farmácias espalhadas Brasil afora. E as pesquisas apresentadas no livro mostra que a Anvisa, os laboratórios, as vigilâncias sanitárias e secretarias de saúde estaduais e municipais procuradas não provam o contrário com apresentação de relatórios do recolhimento dos genéricos fraudulentos.

Conforme pesquisa apresentada no livro, a Anvisa e nenhuma vigilância sanitária e Secretaria de Saúde dos estados e municípios do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, laboratórios e redes de farmácias tinha um único relatório para comprovar a retirada das Losartanas interditadas das prateleiras das farmácias brasileiras.
Genéricos não são todos iguais
O médico José Ruben, doutor em ciências, coordenador da Sobravime e especialista em políticas de medicamentos com mais de 50 obras publicadas entrevistado para o livro alerta: “Se os laboratórios pagam bonificação para que seus produtos sejam trocadas das receitas nas farmácias, prática criminosa abominável prevista no Código do Consumidor, então são capazes de coisas muito piores!”
Sobre a questão da intercambialidade da prescrição médica pelos genéricos e similares bonificados, o médico e coordenador da Sobravime, José Ruben de Alcântara Bonfim alerta: “Se a indústria farmacêutica paga bonificação então coisas muito piores acontecem no setor farmacêutico, porque o favorecimento da venda de medicamentos nas farmácias mediante o pagamento de propina é antiético e criminoso! A Sobravime sempre se manifestou contrária às más práticas farmacêuticas observadas no Brasil. O comércio de medicamentos no país tem lucros inimagináveis alavancados pela empurroterapia. Essa prática nasceu como política comercial dos primeiros pequenos laboratórios de capital nacional e persiste até hoje para enfrentar a concorrência com as indústrias farmacêuticas multinacionais. O problema é antigo e persiste no país porque não existe controle sanitário nessa área. A exemplo do que se observa nos países desenvolvidos, no Brasil deveria haver um certo controle e cuidados na venda de medicamentos por causa dos riscos que podem causar. A bonificação e a empurroterapia deveriam ser inaceitáveis pelas autoridades sanitárias brasileiras porque a propina sempre vai estimular a troca do medicamento prescrito pelo médico por produto bonificado, além de favorecer a venda de produtos muitas vezes de origem e qualidade duvidosas simplesmente porque oferecem lucros maiores para as farmácias. A empurroterapia é propiciada por acordos comerciais entre os laboratórios e as farmácias, que resultam no pagamento de bonificação pela venda de determinados produtos. A prática é desonesta e antiética porque incita a venda exagerada e desnecessária de medicamentos nos balcões das farmácias ou drogarias. Aí às vezes me pergunto: ‘porque isso nunca acaba no Brasil?’ ‘O que fazem nossas autoridades sanitárias que não cumprem o papel de fiscalizar?’ Porque a empurroterapia é uma prática antiética, fraudulenta, criminosa e tão danosa à saúde da população que jamais deveria existir! Essa distorção ética e comercial observada na venda de medicamentos produz graves danos à saúde e deve ser coibida pelos órgãos de vigilância sanitária. A prática da empurroterapia é uma infração grave sob todos aspectos, sejam eles éticos, comerciais e principalmente de saúde. Porque no geral a prática só beneficia as empresas e maus profissionais que praticam a fraude. O paciente e consumidor de modo geral não deve aceitar esse tipo de manipulação de forma nenhuma. Quem garante as condições de fabricação, qualidade, segurança e eficácia do produto trocado pelo medicamento da prescrição médica? O risco para o paciente é grande porque existem fraudes graves como a falsificação e o controle sanitário é ineficiente.”
Anvisa não fiscaliza importação irregular do insumo chinês dos genéricos
O médico e coordenador da Sobravime (Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos) José Ruben de Alcântara Bomfin alerta, em entrevista para o livro, que o setor farmacêutico brasileiro não é nada confiável: “Mais de 85% das matérias-primas dos medicamentos fabricados no Brasil são importadas da China sem passar por fiscalização da Anvisa. A Anvisa não fiscaliza a importação dos fármacos e não realiza testes nos medicamentos produzidos nem por amostragem! Então como é que a Anvisa pode garantir a qualidade dos medicamentos consumidos pela população? Como pode a Anvisa garantir a intercambialidade dos genéricos que na grande maioria das vezes são trocados por similares bonificados quando sabemos que não existe fiscalização?”
Para escrever a sua tese de doutorado com o tema “Análise da prescrição de fármacos não constantes da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais”, José Ruben estudou a fundo o sistema de importação de insumos farmacêuticos pelas indústrias farmacêuticas brasileiras. Ruben é um dos maiores especialistas em políticas de medicamentos no país e autor, editor ou tradutor de mais de 50 livros publicados sobre o tema.
Anvisa funciona como cabide de emprego
No capítulo “Fiscalização: negligência, incompetência e conivência” o livro Farmáfia: do outro lado do balcão apresenta a entrevista com a também especialista em políticas farmacêuticas e coordenadora da ENSP/Fiocruz-RJ Vera Lúcia Luiza, acima. Ela denuncia que “A Anvisa é repleta de leis, repartições e apadrinhados políticos em cargos de chefia e diretoria! São muitos cargos e teorias, mas nenhuma ação prática de fiscalização que permite todo tipo de fraudes nas áreas de produção e comércio de medicamentos.”
Pesquisa evita comprar gato por lebre
Na contramão da Lei de Genéricos, da ética e dos benefícios para a população, 80% dos medicamentos empurrados nas 160 farmácias pesquisadas abrangendo o PR, SP, RS, RJ e Brasília (a simulação de compra com receita de genéricos foi gravada com câmera escondida) são dos laboratórios EMS, Prati Donaduzzi, Neo Química, Brainfarma, Teuto, Cimed, Multilab: justamente os fabricantes de genéricos mais caros e campeões de interdição da Anvisa.
Conforme o ranking das fraudes apresentado no livro, que foi baseado nas interdições da Anvisa entre 2007 e 2024, o laboratório Brainfarma-Neo Química (mesmo grupo) ocupa o primeiro lugar no ranking com 33 genéricos e similares interditados pela Anvisa (veja o resultado das pesquisas no site www.farmafia.com.br).
A segunda posição no ranking das fraudes é do laboratório paranaense Prati-Donaduzzi que tem 29 interdições. O Grupo NC (que representa os laboratórios EMS, Germed, Multilab e Nova Química) é o terceiro, com 28 produtos interditados. As demais ocupações no ranking de interdição são dos laboratórios Teuto com 26 produtos seguido pelo Cimed com dez e pelo União Química com sete produtos interditados.
Dono da Cimed revela em entrevista à podcast como transformou a Lavitan no beó mais vendido do Brasil
